Labor

Por que o trabalho doméstico deve ser formalizado no Sri Lanka?

Apesar de as empregadas domésticas terem sustentado o país durante a crise, o país falhou em reconhecê-las como trabalhadoras.
Empregadas domésticas tem que enfrentar violência e precariedade apesar de prestarem serviços essenciais; a situação foi exacerbada durante e após COVID. A situação permaneceu inalterada apesar da defesa dos sindicatos pelos direitos das trabalhadoras domésticas e condições de trabalho justas.
Empregadas domésticas tem que enfrentar violência e precariedade apesar de prestarem serviços essenciais; a situação foi exacerbada durante e após COVID. A situação permaneceu inalterada apesar da defesa dos sindicatos pelos direitos das trabalhadoras domésticas e condições de trabalho justas.

Leis e Regulamentos Limitados 

O trabalho doméstico não está listado como emprego no setor informal na pesquisa de força de trabalho. Parece ser uma forma invisível de trabalho no âmbito da informalidade. Não há estatísticas sobre o número de empregadas domésticas contratadas no país. “Tentamos obter esses números de vários Grama Niladharis (oficiais de vilarejo), mas eles não os tinham", disse-me o Secretário Geral do Sindicato de Proteção, Kalpa Maduranga. As leis do país não conseguiram atender ao mínimo do setor internacional. Por exemplo, leis da era colonial como o Regulamento dos Serviçais Domésticos de 1871, são obsoletas. Muitos sindicatos e defensores notaram que o país falhou em ratificar a Convenção 189 da OIT que aborda a informalidade do trabalho doméstico.

Os Trabalhadores no país enfrentam uma série de problemas. Em vez de contratos formais, eles dependem de contratos verbais. Embora tanto os empregadores quanto os funcionários prefiram essa prática, ela resulta na exploração dos trabalhadores. A jornada de trabalho parece não ter fim. Entre as 31,4% das pessoas entrevistadas em um estudo da OIT, disseram que começavam antes das 6 da manhã, e 86,7% dos entrevistados trabalharam mais de 8 horas por dia. Os empregadores não fornecem licença remunerada e nem licença médica. Na verdade, muitas pessoas tiveram seus salários reduzidos porque tiravam licença para se recuperar de uma doença. E os empregadores também não fornecem bônus, benefícios sociais ou fundos de aposentadoria. 

As trabalhadoras também sofreram propostas inapropriadas. As 16,7% das pessoas entrevistadas no relatório acima disseram ter experienciado toques não consensuais e 8,3% relataram agressão sexual. Apesar dessas estatísticas alarmantes, a maioria das trabalhadoras domésticas registram um nível moderado de satisfação, pois se sentem incluídas no grupo familiar. Por conseguinte, empregadores familiarizam e personalizam o trabalho doméstico em vez de formalizá-lo e profissionalizá-lo. Os meios de subsistência das trabalhadoras dependem de seus relacionamentos interpessoais e não em uma estrutura formalizada. No entanto, no âmbito do trabalho informal, isso é perigoso para pessoas que não podem confiar em relacionamentos interpessoais.

No contexto transnacional, trabalhadoras experienciam exploração em duas dimensões. Os mediadores nos centros de recrutamento e agiotas exploram e extraem lucros das trabalhadoras domésticas, sendo ainda mais exploradas pelos seus empregadores no exterior. No MENA, o sistema kafala é um esquema de patrocínio de vistos que cria uma dependência em empregadores. Os empregadores confiscam seus passaportes. Os trabalhadores estão de plantão na maioria das vezes. Como resultado, não há separação entre trabalho remunerado e tempo de lazer. Mobilidade fora de casa é limitada. Elas não têm acesso à assistência médica. Não há assistência vindo dos centros de recrutamento, da polícia local ou da embaixada do Sri Lanka. “Por que nós as enviamos para situações de vulnerabilidade em residências particulares? Por que elas não são treinadas formalmente e enviadas para empregos que estão disponíveis no setor formal de cuidados, que fornecem melhores condições e proteção?'' Perguntou a advogada e pesquisadora Shymali Ranaraja.

Impacto da Pandemia e Crise Econômica

A natureza informalizada e invisível do trabalho doméstico o torna vulnerável a choques externos, como a pandemia de COVID-19 e a atual crise econômica. Em 2020, muitas trabalhadoras domésticas perderam seus empregos, pois seus empregadores assumiram as tarefas domésticas que anteriormente eram terceirizadas. Muitas dessas pessoas ainda estão desempregadas. Trabalhadoras abandonadas no MENA acamparam do lado de fora de embaixadas e consulados. Elas contraíram COVID e algumas até sucumbiram. Outras perderam seus empregos e não tiveram a opção de voltar para o Sri Lanka, pois o governo fechou suas fronteiras para evitar a propagação da doença. Embora o país tenha aberto suas fronteiras para a entrada delas em março de 2020, a companhia aérea e hotéis de quarentena locais cobraram taxas exorbitantes. Quando o país detectou outros aglomerados de COVID-19 em julho de 2020 e outubro de 2020, eles limitaram ou interromperam a repatriação mais uma vez. Essas políticas expõem a atitude e o viés do Sri Lanka em relação às trabalhadoras domésticas. O país depende do dinheiro enviados por emigrantes, mas as mãos que adquirem o dinheiro são ignoradas e despriorizadas diante da crise.

Com a crise econômica, a situação se tornou insustentável tanto no contexto local quanto transnacional. A pobreza dobrou de 2021 para 2022, levando 2,5 milhões de pessoas para abaixo da linha da pobreza. As taxas de pobreza urbana aumentaram de 5 para 15 por cento. A classe média, composta por médicos, professores, servidores públicos e empresários, que rotineiramente recrutavam trabalhadoras domésticas, também foram afetados. “A demanda por trabalhos domésticos continua a existir, mas o valor pago por eles diminuiu." diz líder sindical Kalpa. Trabalhadores que não moram no local de trabalho trabalham menos dias e recebem menos pagamento pela mesma quantidade de trabalho. E esses autônomos são substituídos por trabalhadores mais baratos, como aqueles que vivem de plantação ou trabalham em meio período. Em 2022, 300.000 pessoas deixaram Sri Lanka para trabalhar no exterior, especialmente os trabalhadores que são parcialmente ou não qualificados. Mulheres de áreas rurais e dos setores de plantação saíram em massa, pois receberam bônus de 300 a 400 mil rúpias no momento da contratação, conforme a fonte.

Os trabalhadores enfrentam mais inseguranças, pois uma montanha de despesas continua a se acumular, e eles não possuem dinheiro o suficiente para pagar por elas. "Com a crise econômica, os 30.000 por mês que ganho mal cobrem a comida básica, muito menos as despesas diárias," Rama Rajakumari, da Província Central, que trabalha em várias casas em Colombo, me disse. 10,13 milhões de pessoas das áreas rurais do Norte, Norte-Central e Leste estão vulneráveis por causa de dívidas. Os 33,4% dos entrevistados em um estudo do PNUD experienciam vulnerabilidade e privação devido a endividamento relacionado a alimentos, cuidados médicos e educação.

Kanthi vende comida para uma escola local e faz trabalhos ocasionais em casas locais. Ela é a única provedora e cuidadora de sua casa. "O custo dos uniformes, livros e materiais escolares para meu filho aumentaram drasticamente" diz ela. Os altos custos dos preços dos alimentos significam que os alimentos básicos estão fora do alcance. "As agricultoras encontram empregos em casas de classe média em Hatton, mas são raramente, se é que alguma vez, recebem 1000 rúpias por dia. O máximo de que já ouvi falar é 500 rúpias por dia. Muitas dessas pessoas mal conseguem comprar alimentos essenciais, como o arroz, e vivem uma vida precária", diz Kalpa.  

As contas de eletricidade também aumentaram em 2022 e em 2023. E as cartas notificando a desconexão de eletricidade devido a contas não pagas foram enviadas para muitas residências. Por exemplo, alguns membros do Protect Union tiveram que adiar reuniões sindicais devido ao aumento do custo do transporte público. Alguns membros do sindicato nem sequer conseguiam ser contatados por telefone, pois não havia pagado suas contas ou não tinham dinheiro para dados móveis.

Como consequência da crise, a vulnerabilidade dos trabalhadores à exploração aumentou. Normalmente, os corretores locais recebem uma taxa paga por seus clientes, mas agora eles começaram a coletar dinheiro tanto de seus clientes quanto dos trabalhadores. Fontes confirmaram que o trabalho infantil também aumentou, visto que as mães começaram a levar seus filhos para as casas de seus empregadores. Embora as crianças inicialmente acompanhassem suas mães em seus empregos, elas eventualmente assumiram total responsabilidade pelas tarefas nessas casas.

As mulheres são vendidas à indústria do sexo tanto em esferas locais quanto transnacionais. "As trabalhadoras se mudam para áreas urbanas como Colombo ou Kandy, onde são vinculadas a um centro informal e depois enganadas para dentro do comércio sexual," diz a Secretária Geral da Frente das Mulheres Trabalhadoras (WWF), Yogeshwari Krishnan.  Em 2022, corretores, diplomatas locais do Oriente Médio e burocratas de aeroportos foram presos por administrarem um esquema que enganava trabalhadoras a entrarem na indústria do sexo em Omã. Algumas mulheres que se mudaram para o MENA com vistos de turista, usando centros de recrutamento falsos ou receberam referências de conexões pessoais e acabaram em chamadas casas seguras que eram locais usados para abuso sexual. As mulheres que partiram com a esperança de conseguir empregos foram leiloadas para o comércio sexual. "As empregadas ficavam vulneráveis caso se mudem através de métodos informais. Damos muita ênfase ao emprego encontrado em centros de recrutamento credíveis. Caso contrário, não há oportunidades para assistência ou intervenção,” diz Krishnan.

Obstáculos à Sindicalização

As empregadas domésticas carecem de sindicatos tanto no país quanto internacionalmente. Os sindicatos locais apenas prestam um serviço de fachada aos problemas enfrentados pelas trabalhadoras, em vez de organizarem greves necessárias ou advogarem por mudanças de políticas. Os líderes sindicais participam de eventos sobre trabalho doméstico, mas nunca incluem ou defendem o trabalho doméstico em consultas públicas, ou ações de greve, de acordo com fontes. Os sindicatos dos agricultores também estão muito mais interessados na política nacional do que em questões trabalhistas. Os sindicatos, como os das Zonas de Livre Comércio, concentram-se em seus setores, em vez de pressionar por políticas mutuamente benéficas para todos os setores. As trabalhadoras de áreas rurais são raramente representadas em pesquisas ou defesas pelos influentes intelectuais de Colombo, devido ao seu elitismo.

Apesar de dominarem as esferas locais e transnacionais do trabalho doméstico, as trabalhadoras têm uma autoridade limitada na sociedade no Sri Lanka, na esfera política e na divisão internacional do trabalho. As mulheres no MENA não podem votar em nenhuma eleição por correio, então suas necessidades coletivas não são priorizadas por seus representantes políticos. De igual modo, os defensores locais não têm jurisdição para interferir ou resolver disputas no MENA. Os diplomatas do Sri Lanka preferem manter relações cordiais com empregadores do MENA de modo a manterem a competitividade no mercado de trabalho. Empregadores podem facilmente buscar mão de obra vinda de outros países se eles ouvirem muitas reclamações. Com a montanha de dívida externa do Sri Lanka e a atual crise econômica, o país tem posição e autoridade limitados na hierarquia internacional das nações. Portanto, as probabilidades não estão a favor do país para poder escolher e selecionar melhor opção nos mercados de trabalho, como a UE.

"Existe uma hipocrisia suprema em exigir melhores termos e condições no exterior, sem introduzir proteções semelhantes aqui no Sri Lanka," queixou-se Ranaraja. A fundadora do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, Menaha Kandasamy, passou anos explicando aos membros de seu sindicato que o trabalho doméstico é uma profissão. "As trabalhadoras devem entender que são trabalhadoras. Elas precisam compreender o ambiente de trabalho. Elas precisam enxergar as casas familiares como ambientes profissionais, identificar os problemas e mobilizar-se em relação a elas." diz ela. Embora numerosos grupos de defesa e pesquisa tenham proposto medidas legais, elas não podem ser facilmente aplicadas porque o trabalho doméstico ocorre em residências privadas e fechadas. Em um contexto transnacional, Michele Gamburd, a principal pesquisadora de migração transnacional do Sri Lanka para o MENA, recomenda consenso multilateral sobre padrões mínimos e um mecanismo internacional para aplicação.

Os sindicatos liderados por mulheres, que foram excluídos do processo de consulta, manifestaram sua oposição às reformas trabalhistas propostas pelo governo em 2023 porque elas provavelmente aumentarão a exploração.  As reformas buscam aumentar as horas trabalhadas com salário reduzido, limitar a sindicalização e flexibilização dos contratos. Com medidas de austeridade impostas pelo FMI, a contínua neoliberalização da economia e os apelos ridículos de especialistas econômicos para aumentar a participação das mulheres na força de trabalho, apesar de sua super-representação no setor informal, é improvável que o trabalho doméstico se torne uma indústria formalizada e profissionalizada. Dada a desestabilização das leis trabalhistas e a repressão de formas públicas de dissidência como greves e protestos, o trabalho doméstico informal provavelmente vai se transformar em uma forma de servidão por contrato.

Em um desenvolvimento recente, o estado propôs a abolição do trabalho doméstico transnacional e uma transição para trabalho qualificado ao longo da próxima década. No entanto, as restrições paternalistas ao trabalho das mulheres, assim como o Relatório de Antecedentes Familiares, nunca foram bem-sucedidas devido à dependência econômica do país em relação às remessas. Os sindicatos liderados por mulheres e o movimento feminista do país devem pressionar o estado a reconceituar o trabalho doméstico como qualificado e formal, e advogar por melhores salários e condições seguras para atender à demanda transnacional por trabalho de cuidado.

Devana Senanayake é um jornalista de Colombo, Sri Lanka. Devana fez reportagens para The Washington Post, Foreign Policy, Guardian, Aljazeera, Inter Press Service e South China Morning Post. Você pode encontrá-la no X como @dsenanayake16.

Foto: Jamhoor

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)FrenchArabicItalian (Standard)
Author
Devana Senanayake
Translators
Juliana Souza, Alex Tagami and ProZ Pro Bono
Date
19.04.2024
Source
Original article🔗
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